agosto 30, 2017
No dia 17 de agosto de 2017, foi realizado, na Faculdade de Direito da UFMG, o evento Crimes contra a humanidade: crimes sexuais e desaparecimento forçado na América Latina, como parte da iniciativa do CJT de promover o conhecimento da verdade, garantir a memória e desconstruir o esquecimento. As palestras tiveram como objeto de análise os crimes de lesa humanidade cometidos sobretudo durante o período das ditaduras latino-americanas, incluindo a ditadura civil-militar de 1964 no Brasil.
No primeiro painel, foram feitos o lançamento e a exposição do relatório Desaparecimento Forçado e Justiça de Transição: Judicialização e Arquivos, com a fala da expositora Mariluci Cardoso de Vargas (História/UFRGS), consultora da Rede Latino-Americana de Justiça de Transição. A pesquisadora trouxe uma aprofundada análise da ocorrência de desaparecimentos forçados dentre os países da RLAJT, dissertando inclusive sobre o tratamento dado ao instituto pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos (CIDH). Ressaltou, ainda, a dificuldade no tratamento dos casos em razão da inexistência de padronizações – não estando estes ligados exclusivamente às ditaduras militares – e a imposição de uma obrigação internacional de tipificação dos crimes dessa natureza pelo Pacto de San Jose da Costa Rica de 1969. Ademais, Mariluci esclareceu que os números de ações que constam no relatório não reflete o número de crimes cometidos, mas sim o número de desaparecimentos forçados levados à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Em seguida, o Prof. Rodrigo Patto Sá Motta (História/UFMG) expôs sua contribuição à discussão, trazendo uma perspectiva histórica aos “efeitos da verdade” e abordando a Justiça de Transição a partir de uma óptica política. Tratando de questões sobre a politização do Poder Judiciário que vivemos hoje, bem como a problemática dos crimes políticos atuais, levantou a questão: se hoje a política influencia nos Tribunais, como devia ser em 1985, quando da Lei de Anistia? O professor fez também questionamentos acerca da tradição de acordos no Brasil, dos avanços em práticas justransicionais durante o Governo Dilma e os retrocessos do Governo Temer, permanecendo constante, nada obstante, a timidez nas persecuções criminais. Além disso, ficou claro que o Estado oferece inúmeros óbices ao fornecimento dos arquivos existentes, com destaque para o fato de não ser costumeiro o registro de atividades ilegais pelos agentes públicos do regime.
Em seguida, o Dr Helder Magno da Silva (MPF) tratou acerca da importância de se fazer lembrar as vozes que sofreram nas mãos da ditadura, bem como a essencialidade de se promover uma mudança na cultura de autoritarismo que ocupa as cadeiras das instituições brasileiras. Além disso, o procurador trouxe questão controvertida em relação ao chamado “Direito Fundamental à Segurança Pública”, que poderia configurar um meio de legitimação da violência estatal e perpetuação das práticas autoritárias pelo Estado brasileiro. Por fim, Dr. Helder expôs seu otimismo quanto a gestão da futura Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, exortando sua formação acadêmica e profissional, além de sua perspectiva pró-imprescritibilidade dos crimes contra humanidade.
No período da tarde, a programação contou com a visita à “Exposição Desconstrução do Esquecimento”, no Centro Cultural UFMG (Av. Santos Dumont, 174) que permanece aberta até o dia 31/08. Construída por uma equipe de mais de 200 profissionais, a mostra tem como objetivo apresentar parte do que virá a ser o Memorial da Anistia Política, sendo de suma importância para a compreensão do período da ditadura de 1964-1985 e proporcionando o conhecimento crítico da herança deixada pelo regime.
No período da noite, os debates foram retomados com o lançamento e apresentação do relatório Crimes da Ditadura Militar, em que o expositor, Sergio Gardenghi Suiama (MPF), relatou a atuação do Ministério Público Federal nos últimos 5 anos, com dados atualizados das 27 ações penais ajuizadas contra agentes da ditadura militar. O procurador contextualizou o início da atuação do MPF pela condenação do Estado brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia). Ademais, ressaltou a importância da compreensão do Direito Internacional, bem como do Direito Internacional dos Direitos Humanos, como de natureza cogente na persecução penal dos agentes perpetradores de graves violações de direitos humanos, refletindo seu conceito e extensão a partir da óptica dos crimes de lesa humanidade.
Logo em sequência, tivemos o lançamento e apresentação do relatório Crimes Sexuais e Justiça de Transição na América Latina: Judicialização e Arquivos, com importantes contribuições aos debates pela expositora Cláudia Paiva Carvalho, que trouxe sua experiência no levantamento de informações para a confecção do relatório. O trabalho lidou com os crimes sexuais e seu tratamento face o Poder Judiciário e às Comissões da Verdade nos 9 países componentes da RLAJT, com o objetivo se sistematizar as informações e ampliar o grau de profundidade sobre o tema, em especial no que toca a incorporação de uma perspectiva de gênero aos debates relativos à justiça transicional. Dentre inúmeras outras contribuições, Claudia ressaltou a dificuldade que as vítimas que entrevistou tinham de encontrar espaços para realizar esse testemunho, inclusive em relação a órgãos de proteção aos direitos humanos.
Em seguida a Prof.ª Maria Ceres Pimenta Spínola Castro (COVEMG) trouxe uma reflexão interdisciplinar sobre a atuação da Comissão Estadual da Verdade do Estado de Minas Gerais, expondo as dificuldades, inclusive financeiras, nas investigações. Dentre outras provocações, a professora ressaltou a urgência no tratamento das questões de gênero no Brasil, tanto no contexto atual, quanto no do regime militar, expondo críticas ao lugar que a mulher ocupa hoje nas relações sócio-políticas no Brasil.
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Leia os relatórios clicando na imagem correspondente e assista às palestras na íntegra:
Desaparecimento Forçado e Justiça de Transição